Um Pouco de História


 

O Passado de

Arganil


(continuação)

(...) Embora não faltem documentos referentes a Arganil e outras localidades do seu actual concelho, parece-nos que só após a tomada de Seia, Viseu, Lamego e Coimbra, a nossa região se libertou definitivamente do jugo infiel. É natural, mesmo, que nem luta tivesse havido. Metida entre Seia, Viseu e Coimbra, que haviam sido tomadas pelos cristãos, e defendida dos muçulmanos da Beira Baixa pela barreira da Estrela, a sua defesa, confiada, por certo, a pequena guarnição militar, dado o facto da maioria dos seus habitantes serem moçárabes, como já vimos, não tinha a mínima possibilidade de se manter. De resto, a penetração cristã para montante de Mondego e seus afluentes, já vinha enfraquecendo, havia alguns anos, a resistência infiel, e preparando o caminho para continuar neste sentido.
É o que demonstra a acção do mosteiro do Lorvão, fundado no último quartel do século IX, pouco depois da tomada de Coimbra, em 878, por D. Afonso III de Leão. Dotado de enorme actividade, inicia, desde logo, uma valiosa obra de repovoamento que, só em volta da nossa região, se estende de Ceira, Serpins e Vilarinho, a Penacova e outras localidades vizinhas, passando a Gondelim, na foz do Alva, onde chega a viver o conde Diogo Fernandes, primeiro governador de Coimbra, após a conquistada cidade, em 878, e também senhor de Alquinícia, Louredo, Oliveira e outros lugares, até Miranda do Corvo. De Gondelim, a população cristã chega a Mucela e Sarzedo, Santa Comba Dão, Midões, Travanca, etc.
(...) uma vez novamente reconquistada Coimbra, em 1064, prossegue com intensidade crescente, sob a direcção do seu governador, o conde Sisnando. O território que administra abrange a zona que se estende até ao Douro, incluindo Lamego e Viseu, e confina, para Leste, com o distrito civil e militar de Seia, englobando, portanto, a nossa região, incluindo Arganil, onde a darmos crédito a Frei Nicolau de Santa Maria, já existiria o convento de S. Pedro de Arganil, segundo documento por este citado, datado de 1080, altura em que teria passado para Folques. (vidé Frei Nicolau de Santa Maria - Chronica da Ordem dos Conegos Regrantes do Patriarcha Santo Agostinho, Parte II, Lisboa, 1668, pág. 158 e segs.)

Três pontas de dardo, em ferro, tamanho natural, encontradas no
acampamento romano da Lomba do Canho. (sector dos mercenários)

 

A História de

Arganil




(...) Que se passava, por esta altura, na nossa região? Em 1111, nova investida dos Sarracenos leva-os à conquista de Santarém, Lisboa e Sintra. «Para lhes obstar a conquista de Coimbra - diz o historiador padre Gonzaga de Azevedo - dera o conde D. Henrique, no mesmo ano, foral a Soure; nesse, ou nalgum dos imediatos. Miranda da Beira, pelo lado de Leste, e Santa Eulália, a Poente, sobre o Mondego, receberam presídios e foram repovoadas. Este sistema defensivo, constituído por três fortes castelos, que cobriam e desafogavam a cidade (de Coimbra) dos primeiros assaltos, era completado por outros redutos, levantados na direcção Nordeste-Sudoeste, e apoiados nos contrafortes da Serra da Estrela - Coja, Arganil e Seia - formando todos como que uma nova fronteira contra os inimigos do Sul. (...) Os muçulmanos tomaram Miranda da Beira e Santa Eulália, destruiram Soure, cujos habitantes haviam fugido, e, no ano seguinte, investiram contra Coimbra, onde chegarama a entrar, mas da qual não conseguiram apoderar-se. «Soure - continua Gonzaga de Azevedo - ficou por sete anos ao abandono. Coja e Arganil foram doadas, com as terras dependentes, em 1121, a Fernão Perez de Trava, e, no ano seguinte, à Sé de Coimbra e seu bispo D. Gonçalo, recebendo aquele o forte de Santa Eulália, sobre o Mondego, e, em 1122, o castelo de Soure». Também lhe foi doada Seia, neste mesmo ano.

E quanto a Arganil? - Em relação a Arganil, creio que não podemos aceitar as conclusões de Gonzaga de Azevedo. Por um lado, contrariamente ao que assevera, na carta de escambo de que já falámos, trata-se apenas de Coja. Arganil não aparece ali mencionada. Não menciona, igualmente, tal doação o «Livro das Calendas da Sé de Coimbra», que só se refere a Coja. (vidé Livro das Kalendas, ed. Pierre David e Torquato de Sousa Soares, Vol. I, Coimbra, 1947, pág. 205). É certo que esta doação à Sé de Coimbra aparece juntamente com a doação de Coja, no documento de 1122. Mas trata-se - esclarece o dr. Rui de Azevedo - de uma «interpolação» certamente feita - diz este ilustre investigador - com «propósitos fraudulentos». (vidé In Documentos Medieviais Portugueses, cit. pág. 78 e segs.)
Assim parece, de facto. Realmente, em 25 de Dezembro de 1114, isto é, oito anos antes da data do diploma em questão, dá o mesmo bispo D. Gonçalo uma carta de povoação a Arganil. Se a vila lhe pertencia nesta data, como tal carta parece demonstrar, para que era necessária a doação de 1122? O que pode concluir-se é que seria mais do que duvidosa a sua posse pela mitra de Coimbra, e, para a legalizar, houvesse necessidade de documento autêntico. Inexistente este, forjou-se a interpolação, metida a picareta na doação de Coja.
(...) Quer lhe pertencesse quer não, a verdade é que D. Gonçalo, outorgou a Arganil, em 1114, uma carta que tem extraordinário valor para conhecermos a situação económica e social dos seus habitantes, neste começo do séc. XII. Resumindo o conteúdo deste documento, escreve Alexandre Herculano: «Dividia-se a população em jugadeiros e cavaleiros-vilãos. Especificavam-se... os direitos de caça, a parada ou colheita, e o serviço de caminheiros, não esquecendo declarar que os cavaleiros-vilãos ficavam isentos de jugada. Determinava-se a natureza que adquiriam os prédios passando da mão dos peões para a dos cavaleiros-vilãos, bem como as condições necessárias para qualquer ser incluído nessa categoria. Em todo o foral, porém, não há uma única circunstância que revele a existência, em Arganil, de magistraturas próprias, e sem uma como adição feita nesse diploma depois de expedido, ele não passaria de um simples contrato civil.» Esta adição, redigida em nome dos colonos, é a seguinte: - «Além de tudo, acrescentámos um sexteiro a cada boi para que nos não pusessem ninguém por alcaide senão a nosso contento».
A existência de um alcaide em Arganil - continua Alexandre Herculano - manifesta-nos que a povoação era um lugar forte, um castelo, e que os colonos dependiam do casteleiro, o qual, por isso, reunia, em si, cargo militar e magistratura civil. Mas até onde se estendia esta? Eis o que não é possível dizer. Todavia, é provável que as suas funções civis se limitassem às de exactor. O direito de intervir na sua eleição, que os moradores compram por um aumento de encargos, dá porém a Arganil um carácter de concelho rudimentar».
(...) Assim se explica que o verdadeiro foral de Arganil, datado de 1175, seja outorgado por D. Pedro Ubertiz, nos últimos anos do reinado de D. Afonso Henriques, falecido 1185. Dizemos «verdadeiro foral de Arganil», visto ser este que D. Dinis confirma e serve de norma a D. Manuel I, quando o «Venturoso», em 1514, dá novo foral a Arganil, encabeçadopor estas palavras: - «Foral da vila de Arganil, do bispado de Coimbra, dado por Pero Ubertiz, confirmado por El-Rei D. Dinis per as rendas de Arganil...».
Comparando este foral com a carta de povoação do bispo D. Gonçalo, verifica-se o seguinte: - mantêm-se as características rurais do concelho, agora mais acentuadas, devido às referências aos seus lavradores, caçadores e pastores. Não se fala em jugada nem no alcaide. Dão-se garantias especiais à herdade dos cavaleiros. Mencionam-se as penalidades a que ficam sujeitos os que praticam determinados crimes. Na formulação destes, sobressaem alguns casos curiosos: - Assim: O que encontrasse alguém a roubá-lo, não pagava multa pelos ferimentos que lhe causasse. À terceira vez, o ladrão eraaçoutado, tosquiado e expulso «para além do Alva», ou seja para fora do concelho, o que, aliás, já acontecia anteriormente, segundo dispõe a carta de D. Gonçalo. O que quisesse provar o seu direito com «bordão e escudo» pagava um bragal. tratava-se - nota o dr. cabral Moncada - da velha prática do duelo judiciário, de influência germânica, garantem vários investigadores. Segundo este costume, com o qual a Igreja só conseguiu acabar no séc. XIV, os vizinhos dirimiam entre si os seus direitos pelas armas (no nosso concelho serviam-se do bordão e do escudo, como vimos), dando às suas contestações de direitos pessoais e familiares o carácter de verdadeiras formas de uma justiça privada. Era uma justiça bárbara, na verdade, mas reveladora de coragem e da honra de quem não temia recorrer a ela, na formulação das penas, aparece-nos agora, em Arganil, o conselho dos homens bons, ouvido sempre que têm de ser aplicadas algumas destas, as mais graves.
Depois destas palavras escritas pelo historiador António G. Mattoso aquando da «Conferência Integrada nos trabalhos do I Congresso Regionalista da Comarca de Arganil» em 1960 e que transcrevemos em parte muito sucinta e com a devida vénia, que pela sua importância também entendemos dever colocar a parte final da sua oratória e que reza assim:
Muito mais haveria a dizer sobre a história do nosso concelho, se fosse possível continuar. Preferimos, porém ficar por aqui, não só porque a paciência dos meus prezados ouvintes tem limites, mas também porque podemos já, nesta altura, entrever a imagem do edifício concelhio tal como ela se apresenta hoje, com pequenos retoques e modificações.
Tostado pelo tempo, o trabalho que custou a levantar reperesenta uma verdadeira epopeia de sacrifícios dolorosos, de coragem, de constância, de afecto por esta terra ingrata de benesses, dura de afeiçoar, áspera no amanho, e necessitada do suor abundante dos seus filhos para os poder sustentar. Não desesperem esses nossos heróicos avós, através das idades, nem lhe regatearam o amor, que souberam legar aos descendentes, de geração em geração.







Louvados sejam eles, pois, na paz dos túmulos, no silêncio das ermidas montezinhas, na sombra fresca das naves, cheirando a rosmaninho. Louvados sejam eles, na rudeza das encostas que desbravaram por suas mãos e por suas mãos ameigaram. Louvados sejam eles, na pureza das fontes que, para nosso consolo, ensinaram a cantar, no ramalhar dos pinheiros que lançaram ao vento, no fumo dos casebres que endireitaram para o céu, nos regatos que puseram a correr, nas leiras que habituaram a verdejar, nas courelas que amansaram, pacientes, até delas tirarem o pão da boca e do altar. Louvados sejam eles, no sangue que nos deram e continua a entoar a mesma canção de amor. Louvados sejam eles pela ternura que nos transmitiram por este recanto humilde, mas tão rico de virtudes, ciosamente guardadas e defendidas - o nosso tesouro mais precioso, a nossa única fortuna, o nosso brazão de nobreza.
Assim seja, para sempre.




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